Trabalho, Canto de

Trabalho, Canto de – O povo português cultivou durante séculos o costume de cantar durante os trabalhos agrícolas, tais como: sementeira dos cereais, mondas, ceifas (ou segadas, no Norte), malhadas, maçadela do linho, sachas e desfolhadas do milho, vindimas, pisa das uvas, apanha da azeitona. São muito conhecidos os exemplos de cantos de trabalho, colhidos por vários investigadores nas zonas rurais, como a cantiga da segada (vide) do nordeste trasmontano, o coro das maçadeiras (do linho) da Beira Alta, os corais polifónicos das sachas e desfolhadas (Minho, Douro Litoral e Beiras).

Os pregões (vide), entoados pelos vendedores ambulantes por aldeias, vilas e cidades de todo o país, são também cantos de trabalho. Outros exemplos são o cantar à pedra, incitamento aos pedreiros para picarem a pedra ou para a partirem, assim como o leva-leva (vide) de alar as redes na faina dos pescadores.

À primeira vista, poderá estranhar-se que se cante enquanto se realizam trabalhos, sobretudo alguns que são mais pesados, como é o caso da segada do centeio sob o escaldante sol do planalto trasmontano, mas também só pode dar valor à necessidade de cantar em tão adversas condições quem já assistiu ou participou em vindimas, ceifas, apanhas de azeitona, ou outras dessas tarefas. O acto de cantar, mesmo nessas difíceis circunstâncias, consegue na realidade aliviar o ambiente, alegrar os ranchos de trabalhadores, amenizar o seu esforço. Por vezes, nas ceifas, ou nas sachas do milho, dado o sacrifício da tarefa, só se canta no final de cada eito, quando por momentos se suspende o trabalho, para o voltar a retomar logo de seguida.

Alguns destes chamados cantos de trabalho são simples entoações, gritos de incitamento, omissos de linha melódica ou, por vezes, rudimentos melódicos, como é o caso do aboio (vide) ao gado de trabalho ou da cantiga da debulha (vide), o caso da maioria dos pregões, do cantar à pedra ou cantar da marra, usado para marcar o ritmo e pedir força aos que batem com a marreta nas cunhas de ferro espetadas na pedra que se pretende partir, ou dos gritos do mandador durante a pisa da uva; outros são simplificações de melodias em curso, como o Leva-leva, que serve para ritmar o alar colectivo das redes, ou alguns pregões; outros ainda são normais cantos melódicos, com acompanhamento dos instrumentos de trabalho, como é o caso dos corais das maçadeiras do linho, em que os maços batem ao ritmo da cantiga; outros possuem um ritmo lento e arrastado, até sem medida, próprio de uma tarefa executada ao calor de Junho, como é o caso da cantiga da segada do nordeste trasmontano.

Existem também pregões com melodias estruturadas, possivelmente adaptações de outras que circulavam na tradição oral, o que também sucede nalguns aboios e cantigas da debulha. Noutros trabalhos colectivos, entoam-se cantos polifónicos (sachas e desfolhadas do milho). V. Aboio; Segada, cantiga da; Pregão; Desfolhada; Espadelada; Fiadeiro; Leva-leva.

Mais: Tradições Musicais da Estremadura, Tradisom 2000, de José Alberto Sardinha, p. 47 a 134, com reprodução sonora dos cantos de trabalho recolhidos nessa província: faixas 1 a 33 do CD 1 e faixas 1 a 3 do CD 2 (concelhos de Torres Vedras, Leiria, Batalha, Mafra, Caldas da Rainha, Alcobaça, Sintra, Sobral de Monte Agraço, Lisboa, Peniche, Loures); Recolhas Musicais da Tradição Oral Portuguesa, 1982, de José Alberto Sardinha, Disco 1, Lado A, Faixa 2 (Covilhã – ceifa), Lado B, Faixas 1 (Ponte de Lima – espadeladas do linho, sachadas do milho), 3 (Barcelos – espadeladas do linho, sachadas do milho), Disco 2, lado A, Faixas 1 (Vouzela – maçadela do linho), 3 (Vouzela – ceifa), 9 (Sever de Vouga – ceifas e malhas), Lado B, faixa 7 (Castro Daire), Disco 3, Lado A, Faixas 4 (Vinhais – segadas do centeio), 7 (Bragança – serões do linho), 10 (Vinhais – segada); Portugal – Raízes Musicais, de José Alberto Sardinha, BMG/Jornal de Notícias 1997, CD 1, Faixas 2 (Ponte de Lima), 13 (Barcelos), 15 (Castro Daire), 20 (Cinfães), 28 (Cinfães), CD 2, Faixas 3 (Boticas), 5 e 6 (Valpaços), 8 (Mirandela), 28 (Boticas), 32 (Bragança), 34 (Alijó), CD 3, Faixas 3 (Viseu), 13 (Sever do Vouga), 15 (Tondela), 21 (Vouzela), 31 (Mangualde), CD 4, Faixas 26 (Pinhel) e 38 (Covilhã), CD 5, Faixas 9 e 19 (Benavente), 25 (Alcácer do Sal) e 35 (Torres Vedras), CD 6, Faixas 7 e 15 (Madeira – rec. António Aragão e Artur Andrade);

Recolhas de Armando Leça, inéditas, arquivo da RDP, bobine AF-457 (Moda das malhadas, de Vassal, Valpaços), bobine AF-459 (Maçadeiras, de Póvoa de Lanhoso, e boiada de Besteiros, Amares), AF-457 (Cantar à pedra, de Barqueiros, Mesão Frio), AF-534 (Castendo), AF-534 (Esmolfe, Penalva do Castelo), AF-536 (Vila Maior, S. Pedro do Sul – cantos da sacha, da malha, da ceifa e da maçadela), AF-539 (Caria, Belmonte – maçadela, sacha, ceifa), AF-554 (Vila Verde de Ficalho – moda da laboira).

N. B. – OS TEXTOS DESTA ENCICLOPÉDIA DAS TRADIÇÕES POPULARES ESTÃO SUJEITOS A DIREITOS DE AUTOR, PELO QUE A SUA REPRODUÇÃO, AINDA QUE PARCIAL, DEVERÁ INDICAR O NOME DO SEU AUTOR, JOSÉ ALBERTO SARDINHA.