Terno – O termo designa um conjunto de três objectos (no jogo de cartas, por exemplo, um terno de copas é um três de copas). Na tradição musical, a palavra utiliza-se para designar múltiplas realidades, que importa conhecer. Um documento de 1430 sobre o Círio a Nossa Senhora do Cabo, descreve um “terno de charamelas”, querendo naturalmente referir-se a um conjunto de três charamelas. No séc. XIX, um livro sobre tradições populares setubalenses fala depreciativamente de um terno de guitarristas que só sabiam tocar fados corriqueiros pelas tabernas. A edição de 16/10/1896 do jornal vila-realense ”Aurora da Liberdade”, ao anunciar as próximas celebrações do dia de finados ou fiéis defuntos, escreve que “haverá também na mesma igreja de S. Dinis ternos de missas e responsórios”.
Vemos assim que o nosso povo utiliza indistintamente a palavra terno para designar um conjunto instrumental (obviamente com três tocadores, ou assim era pelo menos de início), bem como um conjunto vocal, ou de três elementos, ou cantando a três vozes. É nesta acepção que o termo é utilizado pelo menos nas províncias do Douro Litoral, Minho, Trás-os-Montes, Beira Baixa e Alentejo.
No Minho chama-se modas de terno ou de lote aos cantares polifónicos a três vozes reais, interpretados habitualmente por seis mulheres. A origem dessa denominação provém certamente do facto de tais cantares serem outrora interpretados por três mulheres, e, como elas cantavam a vozes, o termo passou a designar, por extensão, os cantares polifónicos. Nesses cantares, a nomenclatura das vozes, que entram em patamar, varia conforme as regiões, mas pode ser: baixos, que executam a melodia; meio, cima ou descante a um intervalo de terceira superior; guincho, desencontro ou fora, a um intervalo de quinta superior; e por fim o sobreguincho, rabo, fim ou grito, à oitava, no final de cada frase musical. Esta estrutura harmónica comporta ainda, por vezes, um baixão que desdobra os baixos em certos acordes.
Em Ervedosa, concelho de Vinhais, costumava um grupo de mulheres cantar em terno, fazendo três vozes: fala, cimo e contra-cimo. No Alentejo, Armando Leça refere que os alentejanos, quando se propunham cantar a vozes, diziam “vamos armar em terno”. Quanto ao Douro Litoral, é Rebelo Bonito que informa que as cantas durienses (harmonia a duas vozes, em gymel) são interpretadas pelo terno simples ou duplo (três ou seis pessoas) no fim dos trabalhos.
Vê-se assim que, na nomenclatura popular, terno significava originalmente um grupo de três ou seis cantadores ou tocadores. Em virtude de tais cantadores interpretarem corais polifónicos, ulteriormente passou a designar, por extensão, um grupo mais numeroso que igualmente interprete esses cantares polifónicos, geralmente em terno duplo (seis pessoas), ou mesmo, já sem correspondência ao número de cantadores, referindo-se apenas aos cantares a vozes. Inicialmente, o termo começou por referir cânticos litúrgicos, passando depois a aplicar-se aos cantos profanos.
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