Saloio – Música e dança popular próxima do fandango (vide), praticada em algumas regiões do país, como as Beiras, Litoral, Alta e Baixa. Em Silvares, concelho do Fundão, chamam saloio à música que serve a conhecida dança da tranca, mas na verdade trata-se de um fandango. Na zona de Alpedrinha, mesmo concelho do Fundão, há uma música própria para o Fandango e outra para o Saloio, donde se conclui que são duas realidades músico-coreográficas diferentes.
A recolha de José Alberto Sardinha na região do Fundão demonstra a enorme popularidade do Saloio, tal como também acontece em Idanha-a-Nova. A popularidade do Saloio na campina da Idanha era tal que os acordeonistas afirmam que “quem for para a zona da Idanha e não souber tocar o saloio, não tem valor nenhum”.
Em Mata da Rainha, no extremo leste do concelho do Fundão, o Saloio possui coreografia própria, diferente da do fandango, pois era bailado em duas colunas, uma de moças, outra de rapazes, frente a frente, colunas essas que se deslocavam para a direita e para a esquerda consoante as voltas que os bailadores executavam com os braços no ar, mas sempre sem abandonar a sua coluna. Em virtude de nesta coreografia os bailadores não saírem praticamente do mesmo lugar virando-se apenas para um e outro lado, em Vale de Prazeres, mesmo concelho do Fundão, lhe chamam “Moda Serrada” (ou “Saloia”). Designava-se por “serrar” o bailar lentamente com oscilações para a direita e para a esquerda, e voltando sempre à posição inicial. Quando se efectuava o movimento para os lados, os pés batiam, após o que se mudava de direcção.
Em Enxames, mesmo concelho do Fundão (recolha fundanense de José Alberto Sardinha), o saloio era bailado espontaneamente nos anos 1950 da seguinte forma: roda grande, com os pares soltos, todos de braços no ar, eles avançando e elas recuando. A dado passo, a roda pára e todos sapateiam, cada par em frente um do outro. Depois, formam-se duas colunas, uma de rapazes, outra de moças. Jogam frente a frente, para um lado e para o outro. Em Alcongosta, aldeia encastoada na Serra da Gardunha, a coreografia é semelhante.
Pela sua importância na vida pretérita do povo fundanense e dos beirões em geral (e sobretudo porque esta dança não tem recebido a merecida atenção por parte dos ranchos de representação folclórica desta vasta região), tem interesse resumir a coreografia corrente e mais completa do Saloio, tal como a pesquisa de José Alberto Sardinha conseguiu reconstituir a partir dos variados depoimentos colhidos junto das pessoas mais velhas das aldeias: a característica essencial era a formação de duas colunas, uma de rapazes, outra de moças, frente a frente. Seguiam-se várias evoluções: eles avançavam e elas recuavam correspondentemente, e vice-versa; oscilavam, tanto eles como elas, para a esquerda e para a direita, ligeiramente em diagonal, voltando à posição inicial, sempre em frente uns dos outros, jogo que demorava algum tempo e que, pela sua repetição para um lado e para o outro, ganhou o nome de “serrar”; ao regressar à posição inicial neste movimento de “serrar”, o pé da frente bate e muda de direcção. Seguidamente, o par de um dos topos das colunas junta-se no meio e dirige-se, entre as colunas, ao outro topo, em passo de andamento do ritmo ternário, com um pé avançando e outro atrás, e logo de seguida passando para a frente o pé de trás; quando lá chega, já o par seguinte vem fazendo o mesmo e assim sucessivamente; quando todos os pares acabam este passo, vão formando uma roda, em linha, uns atrás dos outros (e não uns avançando e outros recuando); este jogo pode assumir uma de duas evoluções: ou roda grande, ou as moças rodam para um lado e a coluna dos rapazes roda para o outro; ao completarem o semi-círculo, tornam a formar-se em duas colunas, tudo voltando ao princípio. Quando estão em roda, pode fazer-se paragem na evolução coreográfica, virando-se o par um para o outro e sapateando frente a frente, após o que prossegue o andamento da roda.
A formação em colunas é característica fundamental desta dança. A evolução em roda e suas variantes é facultativa e deve ser, naturalmente, compatibilizada com a componente musical.
Em toda esta região da Beira Baixa, o Saloio é cantado, destacando-se a quadra mais frequente: “Ó saloia dá-me um beijo / Qu’eu te darei um vintém / Os beijos duma saloia / São poucos mas sabem bem.” Ou esta: “Ó saloia dá-me um beijo / Qu’ eu te darei um vintém / O beijo duma saloia / Vale quanto Lisboa tem”. E ainda esta: “Ó saloia dá cá isso / Que levas na arregaçada / Levo beijinhos de moça / Se caio, não levo nada”.
Em razão destas quadras, é licito admitir que primitivamente esta dança teria a denominação de Saloia, que só posteriormente se converteu em Saloio. Esta hipótese é confirmada pelo facto de em Vale de Prazeres ser designada precisamente por Saloia (ou Moda Serrada – v. supra).
O Saloio, tal como o Fandango, pertence à categoria dos bailes soltos ou abertos, i. e., “desagarrados” (os pares nunca se agarram) e musicalmente é também de base ternária. Tal como o fandango, é provavelmente descendente da seguidilha, que pelo menos desde o séc. XVII se cultivava em Portugal e Espanha e que, sequentemente, perdurou na tradição popular sob outras designações (como as saias alto-alentejanas e as viradas da Região do Pinhal), acabando porém por se perder o nome de seguidilha.
Mário Sampaio Ribeiro escreve que César das Neves incluíu, no seu Cancioneiro de Músicas Populares, um número teatral intitulado “A Saloia”, da autoria de Angelo Frondoni, “que pertencia à farsa O Beijo, de Mendes Leal”, informando em nota de rodapé que a farsa foi estreada em 1844 e a linha melódica da canção é influenciada pela Cenerentola, de Rossini. Porém, da análise da pauta musical fornecida por César das Neves, verifica-se que a melodia aí transcrita não corresponde à música conhecida na zona do Fundão. Pode, assim, concluir-se que a letra dessa peça teatral foi adoptada para uma melodia diferente, certamente composta por um músico popular dentro dos parâmetros existentes na tradição oral, onde a música de Frondoni tinha caído e circulava. Esta conclusão é permitida pelo facto de ambas as versões terem compasso ternário, com melodias aproximadas e com letras iguais.
Mais: Fundão – Memória, Tradição e Música, (no prelo) a ser editado pela Câmara Municipal do Fundão, da autoria de José Alberto Sardinha e David Amaral de Brito.
Discografia: Portugal – Raízes Musicais, BMG/Jornal de Notícias 1997, recolhas de José Alberto Sardinha, CD 3, faixa 20 (Miranda do Corvo).
N. B. – OS TEXTOS DESTA ENCICLOPÉDIA DAS TRADIÇÕES POPULARES ESTÃO SUJEITOS A DIREITOS DE AUTOR, PELO QUE A SUA REPRODUÇÃO, AINDA QUE PARCIAL, DEVERÁ INDICAR O NOME DO SEU AUTOR, JOSÉ ALBERTO SARDINHA.