S. João – O Santo Precursor, que baptizou Cristo nas margens do Rio Jordão, tornou-se no imaginário do povo português um santo reinadio, brejeiro e folgazão, do mesmo passo namoradeiro e casamenteiro, características que o transformaram no santo mais querido e festejado em Portugal. “S. João era bom santo / Se não fosse tão velhaco / Levava as moças à fonte / Iam três e vinham quatro”. Há rituais de idas à fonte e de plantas deixadas durante a noite para as moças adivinharem se são ou não amorosamente correspondidas pelos seus preferidos.
Grande parte dos festejos sanjoaninos são hoje a reminiscência de antigos ritos pagãos, anteriores ao cristianismo: é o caso do culto do fogo, através do qual os povos primitivos acompanhavam e celebravam a evolução solar ao longo das estações do ano. Assinalavam com enormes fogueiras a passagem do solstício de Verão, em que o sol atinge o seu máximo esplendor, e daí que o S. João se celebre a 24 de Junho com abundância de fogueiras e folguedos à sua volta.
O cancioneiro musical não ficou indiferente ao especial carinho do nosso povo para com o S. João, dedicando-lhe inúmeras canções que, consoante as províncias e regiões, adoptam formas tradicionais locais (na Beira Baixa, cantigas ao adufe, no Douro Litoral cantas a duas vozes, no Minho cantares polifónicos em terno a três e quatro vozes, etc.). Estes cantos ao S. João são entoados à volta das fogueiras, ou nos desfiles que em certas aldeias se realizavam, com as moças bem trajadas, cantando e dançando em direcção ao largo principal, onde se centrava a festa. “S. João casai as moças / As que vos fazem fogueiras / Aquelas qu’ as vos não fazem / Deixai-as ficar solteiras”.
Também são cantados nos trabalhos do campo do mês de Junho, que são as ceifas dos cereais. E esta ligação é tão forte que em muitos locais “S. João” é sinónimo de ceifa (ex.: O Chico está para o S. João, querendo-se dizer que anda nas ceifas; o mesmo se diz do S. Miguel em relação aos trabalhos do milho próprios do mês de Setembro). Em Ribelas, concelho de Lamego, na festa do S. João, a mocidade costumava (anos 1970) “azangar” (saltar) a fogueira, feita de rosmaninho e “fieitos”. Quando saltavam as moças, estas gritavam: “Vai de rosmaninho, dá saúde ao meu passarinho!” Quando saltavam os rapazes, gritavam: “Vai de rosmanão, dá saúde ao meu passarão!”
Discografia: Faixas 8 (Rebolaria, Batalha) e 9 (A-dos-Ruivos, Bombarral) do CD 3 que acompanha o livro Tradições Musicais da Estremadura, de José Alberto Sardinha; Recolhas Musicais da Tradição Oral Portuguesa, 1982, de José Alberto Sardinha, Disco 1, Lado A, Faixa 1 (S. Miguel de Acha, Idanha-a-Nova), Lado B, Faixa 5 (Correlhã, Ponte de Lima), Disco 2, Lado A, Faixa 4 (Vermilhas, Vouzela), Lado B, Faixa 2 (Santa Marinha, Arouca); Recolhas de Armando Leça, inéditas, arquivo RDP, bobine AF-526 (Vila do Conde e Póvoa de Varzim), AF-527 (Lordelo, Paredes), AF-529 (Guimarães), AF-535 (Cambra, Vouzela), AF-538 (Malpica do Tejo, Castelo Branco), AF-539 (Mação e Teixoso, Covilhã), AF-541 (Évora), AF-545 (Estômbar, Lagos e Tavira).
N. B. – OS TEXTOS DESTA ENCICLOPÉDIA DAS TRADIÇÕES POPULARES ESTÃO SUJEITOS A DIREITOS DE AUTOR, PELO QUE A SUA REPRODUÇÃO, AINDA QUE PARCIAL, DEVERÁ INDICAR O NOME DO SEU AUTOR, JOSÉ ALBERTO SARDINHA.