Desfolhadas

Desfolhadas – Nas províncias onde se cultivava o milho (Minho, Douro Litoral, Beiras, Estremadura, Ribatejo e também Alentejo nas pequenas hortas que todos possuíam), havia que efectuar o trabalho de separação entre a maçaroca e o folhelho, este também chamado, consoante as regiões, por casca, ou camisa – e daí o nome de desfolhada, descasca, descamisada, por vezes também escanucha (Beira Baixa).

Deverá, porém, distinguir-se as operações: depois de cortada a bandeira ainda no campo (descana), a maçaroca fica no pé da planta, que começa a secar. Seguidamente, há que tirar as folhas grandes que, depois de secas, servirão para alimento dos animais (este trabalho é que é, stricto sensu, a desfolhada e tanto pode ser realizado no campo retirando as folhas do pé, como já na eira, caso em que o pé é previamente cortado rente ao solo e trazido para a eira, posto a secar). Segue-se a descamisa ou descamisada, que consiste em tirar as folhas que envolvem a maçaroca. Como, na Beira Baixa, chamam canuchas a esse folhelho ou camisa, a descamisada também aí é conhecida por escanucha (escanutcha). Por fim, depois de seca a maçaroca, separa-se o grão do carolo, operação a que se chama debulha ou descarolada.

Todos estes trabalhos eram colectivos, habitualmente executados em sistema de entre-ajuda, em que os habitantes da aldeia acorriam a todas as desfolhadas ou descamisadas (designações genéricas, indiferentes às operações concretas, conforme supra-descrito), ajudando-se mutuamente, sem jorna ou quantificação das horas de trabalho.

Os locais eram as eiras ou, por vezes, telheiros anexos, ou ainda dentro de celeiros ou adegas, visto que a época própria era desde os finais de Setembro até princípios de Novembro, altura em que as noites por vezes já vão frias (este trabalho era nocturno, aos serões). Depois de as maçarocas serem secas ao sol nas eiras ou nos canastros (espigueiros), havia também os serões da “desbulha” (Ribelas, Lamego), que servia para tirar os grãos de milho do casulo (os homens, com um ferro, faziam rasgos na maçaroca de alto a baixo, e seguidamente as mulheres arrancavam os grãos com as mãos ou com outros casulos).

Estes serões eram ocasiões privilegiadas de convívio vicinal e de transmissão dos saberes dos mais velhos para as mais novas gerações, nomeadamente contos, lendas, cantares em coro a vozes, romances tradicionais e, em geral, histórias de proveito e exemplo com a carga de moralidade predominante na sociedade rural. Do ponto de vista musical, foram importantíssimos para a transmissão e conservação dos cantares polifónicos (vide) e do romanceiro tradicionalvide. Habitualmente terminavam com um baile, o que funcionava como chamariz para a mocidade acorrer às desfolhadas e assim contribuir para a rápida execução da tarefa desse dia. O pai de família com muitas filhas tinha certo o concurso de muitos rapazes solteiros e rápida execução da desfolhada …

Hoje, com a diminuição das áreas cultivadas de milho naquelas regiões e com a própria mecanização dos trabalhos inerentes ao seu tratamento, decresceu radicalmente a importância sócio-musical destes serões, que agora apenas juntam os familiares da casa (por isso se fala acima no pretérito).

Alguns ranchos de representação folclórica vêm ultimamente organizando serões de reconstituição destas desfolhadas, com cantares e demais práticas tradicionais, em que se aproveita efectivamente para desfolhar a produção de milho de algum dos seus elementos ou de outro membro da comunidade em que se inserem. – V. Fiadeiros, Ciranda e Cirandeiro ou Serandeiro.

N. B. – OS TEXTOS DESTA ENCICLOPÉDIA DAS TRADIÇÕES POPULARES ESTÃO SUJEITOS A DIREITOS DE AUTOR, PELO QUE A SUA REPRODUÇÃO, AINDA QUE PARCIAL, DEVERÁ INDICAR O NOME DO SEU AUTOR, JOSÉ ALBERTO SARDINHA.