Cramol – Evolução fonética, por metátese, da palavra clamor. Os clamores eram – e são – procissões de preces e rogações públicas, segundo o Dicionário de Moraes, edição de 1831. Nelas se entoam cânticos rogatórios a vozes que, por extensão, passaram a ser designados por clamores. A palavra clamor originou cramol, por metátese, como se disse. Por extensão, passou a chamar-se cramol ao canto polifónico a três vozes, em estrutura de fabordão, que era entoado nessas procissões.
Manda a regra que a harmonia se apoie na melodia do canto, dizendo-se que o coro é em bordão precisamente quando as vozes graves cantam a melodia e são, nessa medida, apoio ou bordão das outras. Porém, quando a melodia está na corda superior, a voz grave, continuando embora a chamar-se bordão, é na realidade um falso bordão – e daí o nome (fabordão, do francês faux-bourdon). É o que sucede no cramol duriense (concelhos de Cinfães e Resende) colhido por Virgílio Pereira (vide) e estudado por Rebelo Bonito, que possui uma voz na terceira superior à melodia e uma outra inferior a esta, em intervalo igual, sem falar de um grave na oitava inferior.
Existem notícias documentais desses clamores em séculos passados oriundas de vários concelhos, como Braga, Santo Tirso, Cinfães, Resende, Paredes de Coura, Ponte de Lima, Viana do Castelo. Ainda hoje se realizam, sobretudo no Minho. Em Nespereira, Guimarães, na Festa do Senhor dos Aflitos (terceiro domingo de Maio), há a chamada “Procissão do clamor”, em que se entoam cânticos religiosos pedindo protecção para as colheitas. Em Barrosas, Felgueiras, na Festa do Espírito Santo, além das tradicionais celebrações religiosas, organiza-se na segunda-feira uma procissão em que se integram os cânticos colectivos designados localmente por “clamores”. Na Ribeira-Lima continuam (2010) a ser realizados tais clamores em Domingo de Páscoa e dias seguintes, ao fim da tarde, quando o sacerdote, mordomos e demais acompanhantes dão por terminado o circuito do compasso pascal, reunindo-se em certo local para caminharem depois até à igreja entoando cânticos religiosos polifónicos – v. Compasso pascal.
Mais: Cancioneiro de Cinfães e Cancioneiro de Resende, ambos da autoria de Virgílio Pereira; “As cantas e os cramóis do Cancioneiro de Cinfães como formas arcaicas da Etnografia Musical”, de Rebelo Bonito, in Douro Litoral, 3ª. Série, I, 21.
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