Corridinho – Contrariamente ao que se pensa, o corridinho não é originário, nem é o ex-libris músico-coreográfico do Algarve. Isso é um mito criado pelo bairrismo, neste caso dos algarvios, pela vontade de possuir uma marca identitária “única e totalmente inédita”. O fenómeno é muito corrente em Portugal e o mesmo tem sido dito de outras manifestações em relação a outras províncias, como é o caso do fandango em relação ao Ribatejo, ou do bailarico em relação à região saloia, ou do vira em relação ao Minho.
Também se tem dito, não sem ligeireza, que estes estereótipos foram fomentados pelo Estado Novo, quando, na verdade, tudo isso resultou da mentalidade bairrista dos dirigentes dos ranchos de representação folclórica, ávidos de mostrarem que as suas terras eram detentoras de características etnográficas únicas, formidandas e excepcionais, o que aliás contraria as regras de formação e disseminação das tradições populares.
Nas suas pesquisas de campo, José Alberto Sardinha apurou que, se em certas regiões ou localidades algarvias, o corridinho já era conhecido no princípio do séc. XX, noutras nunca chegou a ser bailado (nestas a mocidade apenas bailava modas de roda, tocadas por flauta, aqui designada por gaita / gaita de cana, ou simplesmente cantadas pelas raparigas).
Na verdade, o corridinho provém da schottische, um dos ritmos que o povo português recebeu no séc. XIX da Europa central. O seu nome adveio-lhe da forma coreográfica que assumiu entre o nosso povo: geralmente em grande roda (aliás de harmonia com a sua origem centro-europeia), com os pares agarrados, em corrida, já que tem um andamento muito vivo, característica musical da chotiça (aportuguesamento do original schottische) – vide. Da chotiça procede também o fado batido. Em Aldeia de Joanes, concelho do Fundão, o corridinho era tocado ao harmónio nos anos 1930 por um instrumentista local e a sua forma coreográfica era uma grande roda com os pares agarrados, evoluindo ora num sentido, ora virando para o outro (pesquisa fundanense de José Alberto Sardinha).
O mesmo investigador, na sua pesquisa estremenha, apurou que o corridinho “era bailado com os pares sempre agarrados, formando uma roda, as moças por dentro e os rapazes por fora. Ao girar da roda, os pares evoluem, portanto, de lado. A certa altura, quando a música repica,o bailho é rebatido, isto é, os pés batem no chão com mais vigor, parando a roda, para prosseguir logo de seguida. Mais adiante, os pares valseiam, entenda-se bailam agarrados girando no mesmo lugar, após o que a roda retoma a sua evolução de novo, sempre para o lado direito” – v. Tradições Musicais da Estremadura, p. 371.
Muitos ritmos centro-europeus foram adoptados pelo povo português ao longo do séc. XIX e permaneceram na tradição oral até aos nossos dias, como a valsa, a marcha, a polca, a schottische, a mazurca, o pas-de-quatre. Muitos deles conservaram as denominações de origem ou suas corruptelas (chotiça, passecate), outros ganharam novas designações decorrentes de certas características coreográficas (moda de dois passos que é uma mazurca, salto e bico ou bico e tacão, que é a polca, corridinho que é uma schottische), outros enfim passaram a ser conhecidos pelo refrão ou pelo inccipit do texto poético que lhe foi introduzido pelo povo. Hoje podem ser reconhecidos através da análise musical dos temas tradicionais que chegaram até nós.
A chotiça corrida era uma forma coreográfica em que os pares, integrados numa roda grande, bailavam em ritmo acelerado, incluindo passagens em galope, e por vezes procuravam alcançar o par que os antecedia (espécie de brincadeira/desafio coreográfico, muito frequente na tradição popular), o que causava frequentemente muitas quedas e reboliço. Dessa chotiça corrida terá resultado o nome de corridinho. Na referida Aldeia de Joanes, concelho do Fundão, quando o tocador se aproximava do final acelerava o ritmo da execução, obrigando os bailadores a correr, por vezes atropelando o par antecedente.
O corridinho é bailado nas Beiras, Ribatejo, Estremadura, Alentejo e Algarve – v. recolhas musicais de José Alberto Sardinha.
Mais: Tradições Musicais da Estremadura, de José Alberto Sardinha, Tradisom 2000, p. 370 a 372, e 367-368.
Discografia: Tradições Musicais da Estremadura, de José Alberto Sardinha: CD 2, Faixa 18 (Torres Vedras) e CD 3, faixas 13 (Fonte da Vaca, Palmela) e 38 (Vilar, Cadaval), os quais acompanham o livro; Portugal – Raízes Musicais, recolhas de José Alberto Sardinha, BMG/Jornal de Notícias 1997, CD 3, faixa 30 (Castro Daire), CD 5, faixa 18 (Torres Vedras), CD 6, faixa 17 (Loulé).
N. B. – OS TEXTOS DESTA ENCICLOPÉDIA DAS TRADIÇÕES POPULARES ESTÃO SUJEITOS A DIREITOS DE AUTOR, PELO QUE A SUA REPRODUÇÃO, AINDA QUE PARCIAL, DEVERÁ INDICAR O NOME DO SEU AUTOR, JOSÉ ALBERTO SARDINHA.