Adufe – Pandeiro quadrangular bi-membranofone, isto é, composto de uma pele que reveste ambas as faces de uma armação quadrada, em madeira, muito frequente em Espanha e Portugal. A sua função exclusivamente rítmica parece ter contribuído, nas regiões onde subsistiu, para a conservação dos modos arcaicos dos cantares que acompanhava. A sua origem não está determinada.
O étimo da palavra parece encontrar-se no toph hebraico, ou no douf arábico, persistindo na nossa língua como tantas outras palavras que a ocupação deste povo nos deixou (em certas regiões de Espanha também se lhe chama adufe, pois esse é o nome no espanhol arcaico). Mas se quanto à origem da palavra ela parece estar explicada, o mesmo se não poderá dizer do instrumento em si, posto que, além de não haver provas que ele seja efectivamente um legado árabe, não é crível que os povos peninsulares não tivessem eles próprios esse instrumento, comum às sociedades do ciclo pastoril. Lembre-se, a este respeito, a existência de um mosaico de Pompeia figurando músicos populares, entre os quais um tocador de pandeiro redondo (cuja origem também é frequentemente atribuída aos árabes…). Acresce que, segundo Anthony Baines, o pandeiro quadrangular já era conhecido no Egipto Antigo.
Certo é que temos notícias escritas desde a idade medieval de que o adufe era cultivado por todo o território português. No séc. XX, porém, já só persistia em certas manchas da raia trasmontana (Valpaços, Vinhais, Miranda do Douro, Bragança, Freixo de Espada à Cinta), aqui denominado pandeiro, bem como em toda a Beira Baixa (Penamacor, Belmonte, Covilhã, Fundão, Idanha-a-Nova, Castelo Branco, Mação) e Beira Setentrional (região da Guarda, Manteigas, Sabugal, Pinhel), na Beira Alta (Seia, Lamego), no Alentejo (Monforte, Évora, Redondo, Avis, Estremoz, Serpa) e na Alta Estremadura (concelho de Leiria). Acabou por se manter apenas na Beira Baixa, aliás com vitalidade assinalável, pelo que é hoje, com inteira justiça, o ex-libris musical desta província.
O adufe é um instrumento feminino por excelência, aliás na esteira das tradições hebraica e árabe, ou melhor, da tradição mediterrânica. A partir de Sábado de Aleluia e do respectivo canto das alvíssaras, as mulheres e sobretudo as raparigas solteiras não mais paravam de tocar o adufe até às últimas romarias de Setembro. Cantavam ao soalheiro pelo fim da tarde quando os rapazes voltavam dos campos, cantavam aos santos populares, cantavam nas festas locais em que faziam cortejos das solteiras a rivalizar com o das casadas, sobretudo no S. João, cantavam também para os bailes de roda, cantavam nas romarias, a caminho da ermida, capela ou santuário, à chegada no alpendre de entrada, no final das três voltas rituais de cumprimento e por fim no regresso, cantavam incessantemente ao som dos adufes, mas cantavam e tocavam o adufe essencialmente como forma de afirmação e exibição feminina, sobretudo perante os rapazes.
Cantar e tocar bem o adufe era predicado e orgulho das moças, que rivalizavam entre si pelo melhor toque e ritmo que conseguiam imprimir ao instrumento. “As armas do meu adufe / São de pau de laranjeira / Quem houver de tocar nele / Há-de ter a mão ligeira”. O adufe era, assim, um instrumento musical considerado como atributo feminino, na mesma medida em que a viola (a viola popular portuguesa) o era como instrumento masculino.
Mais: Instrumentos Musicais Populares Portugueses, de Ernesto Veiga de Oliveira; Idanha-a-Nova, toques e cantares da vila, recolha de José Alberto Sardinha, EMI-Valentim de Carvalho 1995 (folheto anexo ao CD).
Discografia: Recolhas Musicais da Tradição Oral Portuguesa, 1982, de José Alberto Sardinha, Disco 1, Lado A, Faixas 1 (S. Miguel de Acha, Idanha-a-Nova), 5 (Penha Garcia, Idanha-a-Nova), 7 (Monsanto, Idanha-a-Nova), 9 (Malpica do Tejo, Castelo Branco); Portugal – Raízes Musicais, recolhas de José Alberto Sardinha, BMG/Jornal de Notícias 1997, CD 4, faixas 2 (Idanha-a-Nova), 7 (Penamacor), 18 (Idanha-a-Nova), 22 (Castelo Branco) e 29 (Idanha-a-Nova); Idanha-a-Nova, toques e cantares da vila, recolha de José Alberto Sardinha, EMI-Valentim de Carvalho 1995, Faixas 2, 5, 9, 13, 16, 19, 25; Recolhas de Armando Leça, inéditas, arquivo da RDP, bobine AF-457 (Valpaços), AF-537 (Alfaiates, Sabugal), AF-537 (Idanha-a-Nova e Vale do Lobo, Penamacor), AF-538 (Escalos de Baixo, Castelo Branco e Malpica do Tejo, Castelo Branco), AF-539 (Teixoso, Covilhã).
N. B. – OS TEXTOS DESTA ENCICLOPÉDIA DAS TRADIÇÕES POPULARES ESTÃO SUJEITOS A DIREITOS DE AUTOR, PELO QUE A SUA REPRODUÇÃO, AINDA QUE PARCIAL, DEVERÁ INDICAR O NOME DO SEU AUTOR, JOSÉ ALBERTO SARDINHA.