Cantiga (canção) narrativa

Cantiga (canção) narrativa – Termo utilizado pelos estudiosos do romanceiro para designarem um novo estádio poético, subsequente ao romanceiro antigo ou tradicional, em que o poema narrativo já não obedece a uma rima ou assonância única, o que veio a ocorrer a partir da segunda metade do séc. XVIII. Esta fase do romanceiro, representada pela canção narrativa, constitui o primórdio do fado (vide), segundo a tese de José Alberto Sardinha desenvolvida no seu livro A Origem do Fado.

Neste último estádio do romanceiro tradicional, o verso longo monorrimático de dois hemistíquios de sete sílabas cada um, deu origem a dois versos heptassilábicos de rima alternada, o que causou a necessidade de agrupamento estrófico para dar sentido e apoiar a mobilidade rimática, conduzindo à forma estrófica mais simples, a quadra, grupo de quatro versos com sete sílabas em cada um (redondilha maior) e com rima alternada, i. e., a última sílaba tónica do segundo verso rimando com a do quarto e, ocasionalmente, também a do primeiro com a do terceiro. Mais tarde, viria a surgir, no romanceiro popular de cordel ou de cegos (ou seja, nos primeiros fados populares da fase primitiva) a quintilha e a sextilha, bem como a décima.

Os temas do poema narrativo sofreram também alteração, passando a versar episódios, reais ou ficcionados, da vida de gente humilde, de elementos do povo, como a Rosinha costureira, a Francisquinha, a Isaura e o Manel, a orfãzinha, a Deolinda tecedeira, o José Pina e a Maribela (anteriormente, a fase do romanceiro antigo versava essencialmente casos passados entre a nobreza, histórias de reis e princesas).

Todavia, esta separação entre as duas fases (romanceiro antigo e canção narrativa) é apenas notória no domínio da estrutura poética e na temática, porquanto a cantiga narrativa dos sécs. XVIII, XIX e XX corresponde apenas a um último estádio do canto narrativo tradicional, mantendo-se todas as outras características do romanceiro tradicional: o carácter narrativo dos poemas, os intérpretes (ceguinhos e demais músicos mendicantes), a funcionalidade deste género: contar histórias de vida para o auditório popular, circulação dessas histórias como noticiário para o povo não só pela boca dos cantadores ambulantes mas também através dos folhetos que estes vendiam, adopção desses cantares pelo povo e sua reprodução nas mais variadas circunstâncias da sua vida, como nos trabalhos agrícolas e nos serões, sempre com a função de moralidade, como histórias de proveito e exemplo. Por isso, é lícito tratar a fase representada pela canção narrativa como romanceiro de cordel ou romanceiro de cegos.

Mais: A Origem do Fado, de José Alberto Sardinha, Tradisom 2010, p. 63 a 70.

N. B. – OS TEXTOS DESTA ENCICLOPÉDIA DAS TRADIÇÕES POPULARES ESTÃO SUJEITOS A DIREITOS DE AUTOR, PELO QUE A SUA REPRODUÇÃO, AINDA QUE PARCIAL, DEVERÁ INDICAR O NOME DO SEU AUTOR, JOSÉ ALBERTO SARDINHA.